O Supermarine Spitfire foi um melhores caças da Guerra.
Projetado por pura teimosia de seu criador, era muito mais moderno do que tudo
que a Força Aérea Real pedia em suas especificações.
Usando dinheiro da própria empresa chegaram a um protótipo
que incluiu a construção do motor Rolls-Royce Merlin 45, um supercharged de
1.470 hp de potência. A especificação da RAF falava de 400 km/h, o Spitfire
fazia 595 km/h.
A primeira unidade saiu da linha de produção em maio de
1938.
Junto com o Hurricane enfrentou os Me 109 de igual pra igual
na Batalha da Inglaterra.
Havia uma falha de projeto. Para otimizar o supercharger e
extrair mais potência do motor, o Spitfire usava carburadores simples. Quando
os pilotos faziam uma manobra de G negativo, como empurrar o manche pra frente
e empicar pra baixo, a (ausência de gravidade) fazia com que a gasolina dentro
do carburador voltasse. Como a bomba de combustível ainda estava bombeando,
mais e mais gasolina se acumulava, às vezes lotando a câmara do carburador.
Isso fazia com que os cilindros recebessem uma mistura
excessivamente rica, com gasolina demais em proporção ao ar. O resultado era
que uma manobra brusca fazia o avião perder potência. Se o piloto continuasse
mais que alguns momentos, o motor morria horrível a 4.000 metros de altitude,
com dois inimigos na sua traseira.
A tática sugerida era antes de mergulhar, inverter o avião,
assim a gasolina continuaria indo pro lugar certo. Legal mas com isso você
levava mais tempo para manobrar, o que era ruim, e indicava que planejava
mergulhar, o que era pior ainda.
Os aviões nazistas não tinham esse problema, o país que deu
ao mundo o BMW, o Audi e a Mercedes usava injeção direta de combustível.
O problema era velho conhecido, e os pilotos da RAF não
aguentavam mais arriscar a vida por causa dele. E também não dava pra voar de
cabeça pra baixo. O pessoal da Supermarine trabalhava incessantemente tentando
resolver a falha, até que no finalzinho de 1940 acharam a solução. Ou melhor,
quem achou foi essa moça aqui:
Beatrice Shilling nasceu em 1909. Filha de um açougueiro em
Waterlooville, uma cidade que hoje tem 20 mil habitantes, imagine naquela
época. Mesmo assim ela deu sorte.
Quando saiu da escola ela foi trabalhar para uma empresa de
engenharia elétrica, por três anos. Sua chefa Margaret Partridge, era envolvida
com a WES, Sociedade de Mulheres Engenheiras, uma organização que estimulava o
interesse de mulheres por ciência e tecnologia.
Margaret convenceu Beatrice a continuar seus estudos. Em
1929 ela era uma das duas calouras do curso de engenharia elétrica na
Universidade de Manchester.
Depois de formada ela fez um Mestrado em Engenharia
Mecânica, descobriu as motos e virou piloto de corrida, em uma época onde usar
calças já era mal-visto em uma mulher. Conseguindo uma vaga de
professora-assistente, ela trabalhou na Universidade de Birmingham, estudando
com o Professor GF Mucklow o comportamento de motores com supercharger.
Beatrice não era figura fácil na época, odiava que qualquer
um, principalmente um homem a colocasse em posição de inferioridade. Ela
disputava competições de moto-velocidade, brigando de igual para igual com
corredores profissionais. Ela foi a mulher mais rápida em Surrey, ganhando uma
estrela de ouro por pilotar uma Norton M30 a 171 km/h.
Quando a guerra estourou, Beatrice foi recrutada para a área
de pesquisa aeronáutica da RAF, a RAE. Logo ela se tornou a autoridade máxima
em carburadores aeronáuticos. Quando o problema dos G’s negativos se tornou
incontornável, e os engenheiros da Supermarine tentaram de tudo e não
conseguiram resolver, soltaram a batata na mão dela.
Beatrice Shilling olhou, pensou, desmontou e montou
carburadores. A solução? Limitar o combustível que chega ao carburador. Em vez
de deixar a tubulação aberta, ela instalou um limitador, pouco mais que uma
arruela, que permitia que o combustível passasse no fluxo máximo que o motor
suportava, mas não mais.
Durante o começo de 1941 ela comandou uma equipe que
percorreu todas as bases da RAF, instalando os limitadores nos Spitfires. Em
março todos os caças britânicos haviam recebido o upgrade, um problema de 1937
estava resolvido.
A peça, oficialmente chamada de “Limitador da RAE”, mas os
pilotos sendo pilotos chamavam o negócio “carinhosamente” de “Orifício da Miss
Shilling”.
A solução ainda não permitia que os aviões voassem invertido,
isso só foi possível em 1943, mas a RAF ganhou dois anos onde os pilotos podiam
voltar a manobrar, fugir e atacar, sem medo do motor morrer. Se o Spitfire é o
avião que salvou a Inglaterra, Beatrice Shilling é a mulher que salvou o
Spitfire.
Por seus serviços ela foi agraciada com a Ordem do Império
Britânico. Faleceu aos 81 anos, no dia 18 de novembro de 1990, deixando um raro
legado.
Fonte site MeioBit