Pouco
depois das primeiras aeronaves deixarem o solo, era noticiado em todo o mundo o
desejo dos aviadores de vencer as distâncias, principalmente sobre os oceanos.
Era
notório que o desenvolvimento da aviação logo iria proporcionar a travessia do
Atlântico pelo ar, entre o Velho e o Novo Mundo e que isso poderia se fazer em
“75 horas”. Mas estas idéias foram interrompidos com o início da Primeira
Guerra Mundial.
É inegável
que o conflito impulsionou de maneira extraordinária a aviação. Mesmo com a
precária estrutura e potência dos motores dos aviões existentes, o grande
número de máquinas e pilotos permitiu o início da exploração de novos
horizontes e até mesmo de rotas aéreas comerciais. Em 23 de outubro de 1918, uma
reportagem do jornal “O Estado de São Paulo”, citava que o Comandante José
Maria Magalhães Almeida, adido naval brasileiro na Itália, declarava que ao
realizar uma visita a fábrica de aviões do industrial Giovanni Battista
Caproni, este comentou que tinha o “grande sonho de voar através do Atlântico”.
Gianni
Caproni coletou de Magalhães Almeida informações sobre a nossa costa. O seu plano
era para uma travessia aérea em um “colossal hidroplano, entre Serra Leoa
(África) e a costa do Rio Grande do Norte ou Pernambuco, no Brasil.
Na época,
por aqui, comentava-se que a possibilidade de um aeroplano Caproni chegar a
nossa região voando sobre o Oceano Atlântico estava apenas no campo da especulação,
mas, lá fora, a aviação progredia.
Finalmente
em 17 de junho de 1922 a primeira travessia aérea do Atlântico Sul foi
concluída com sucesso pelos aviadores portugueses, Gago Coutinho e Sacadura
Cabral, como parte das comemorações do primeiro centenário da independência do
Brasil. A travessia de 1.890 milhas foi realizada com muitas dificuldades e
foram utilizadas três aeronaves.
Os
aviadores portugueses após uma escala em Fernando de Noronha seguiram direto
para Recife.
Já no dia
21 de dezembro de 1922 os potiguares viram pela primeira vez uma aeronave
sobrevoar sua terra. Era um hidroavião biplano Curtiss H 16, batizado como
“Sampaio Correia II”. A tripulação era constituída pelo oficial da marinha
americana Walter Hinton e o co-piloto era Euclides Pinto Martins, cearense de
Camocim.
O “Sampaio
Correia II” tocou as águas do rio Potengi às 12:45, atracando no Cais Tavares
de Lyra, diante da aclamação popular e muitas homenagens de autoridades e
partiu no dia seguinte, ás sete da manhã.
Entretanto Hinton e Pinto Martins perceberem falhas em um dos motores da aeronave e tiveram de amerissar no mar, próximo de Baía Formosa. Algumas engrenagens estavam danificadas e teriam que ser substituídas.Após o conserto, dias depois, o hidroavião decolou rumo a Recife. Com muitas dificuldades e uma nova pane, desceram em Cabedelo, na Paraíba. Ao final o “Raid” demorou 75 dias para ser concluído no Rio de Janeiro.
Apesar do
Comandante Magalhães Almeida haver apontado para o italiano Caproni que as
terras do nordeste do Brasil eram ótimas e estratégicas para a eventualidade de
uma travessia aérea do Atlântico, ficamos muito tempo sem ver a passagem de
aviões. Só veríamos outra aeronave no ano de 1926.
No mês de
fevereiro de 1926 houve uma grande expectativa, com a possibilidade da chegada
em Natal do hidroavião espanhol “Plus Ultra”, comandando por Ramon Franco. Este
e sua tripulação repetiram a rota dos lusos Gago Coutinho e Sacadura Cabral e
seguiram de Fernando de Noronha direto para Recife.
Devido a
uma forte tempestade tiveram de amerissar na região de Barra de Cunhaú e só
seguiram viagem na manhã de 13 de julho.
Em
fevereiro de 1927 chega à notícia que um hidroavião bimotor italiano, modelo
Savoia-Marchetti S 55, estava atravessando o Atlântico. Aeronave havia sido
batizada como “Santa Maria”, tinha como piloto o herói de guerra Francesco De
Pinedo, tendo como companheiros o capitão Carlo Del Prete, e o sargento Victale
Zachetti.
Haviam
partido do porto de Elmas, Itália, em 13 de fevereiro, bordejaram a costa oeste
africana até Porto Praia, capital da atual República de Cabo Verde. Somente no
dia 22 alçaram vôo em direção a Natal. Mas em Fernando de Noronha por falta de
combustível e tiveram de fazer um pouso de emergência. Socorridos pelo Cruzador
“Barroso”, da Marinha do Brasil, no dia 24 de fevereiro, pelas 7 horas decolaram
para Natal.
Foi com um
estrondoso repicar dos sinos das igrejas que Natal, a notícia da chegada
daquela nave. O comércio, as repartições públicas, as escolas fecham suas
portas e uma multidão calculada em 10.000 pessoas, aglomeravam-se no Cais da
Tavares de Lira.
No alto da
torre da igreja matriz, na Praça André de Albuquerque, escoteiros vasculhavam
os céus com binóculos em busca do hidroavião. Finalmente, às nove e vinte da
manhã, um ponto é avistado para além da praia da Redinha, ao norte da cidade.
Os escoteiros estouram rojões, novamente os sinos repicam e navios ancorados no
porto apitam ruidosamente, deixando Natal em polvorosa.
O
hidroavião sobrevoa a cidade, segue em direção a região do atual bairro de
Igapó e retornando na direção do porto. Vai baixando devagar, extasiando a
todos ao amerissar tranquilamente no sereno rio Potengi.
De Pinedo
foi o primeiro aviador a se pronunciar publicamente sobre a positiva condição
que Natal possuía para a aviação mundial. Um italiano realizava o sonho de
outro italiano, Giovanni Battista Caproni, da travessia aérea do Oceano
Atlântico entre a África e o Brasil. A vinda de De Pinedo a Natal tornou
conhecida esta capital no cenário da aviação mundial.
Vinte dias
após a passagem do “Santa Maria”, a cidade recebe outro “Raid”. Era um
hidroavião bimotor, modelo alemão Dornier DO J Wall, batizado como “Argos”. A
nave pertencia ao governo português, era pilotado pelo Major José Manuel
Sarmento de Beires, que tinha como auxiliares os militares Jorge de Castilho e
Manuel Gouveia.
Seu feito
foi haver realizado a travessia Atlântica à noite. Decolando de Bolama, na
atual Guiné Bissau, às 17 horas do dia 12 de março de 1927 e pousar em Fernando
de Noronha na manhã do dia 18, uma sexta feira, as 10:15. A parada foi rápida e
às 12:55 o hidroavião português já sobrevoava Natal e amerissando no rio
Potengi. Foram recebidos com muito entusiasmo pela população. No domingo, dia
20 de março, as oito da manhã o “Argos” partiu.
No mesmo dia da partida do “Argos”, por volta das quatro da tarde, de uma maneira um tanto inesperada, surgem sobre as dunas três hidroaviões monomotores pintados de azul escuro e amarelo. Estes realizaram um vôo a 300 metros de altitude sobre a Natal e amerissaram tranquilamente no rio Potengi. A esquadrilha era comandada pelo Major Herbert Arthur Dargue, que havia partido dos Estados Unidos ainda no ano anterior e percorria toda a costa da América Latina.
A
esquadrilha era denominada Pan-American Goodwill Flight, sua equipe original
era composta, além do Major Dargue, de três capitães e seis primeiros tenentes.
Todos vinham acomodados em cinco hidroaviões modelo Loening OV-1, baizados com
nomes de uma grandes cidades americanas.
Haviam
partido de Kelly Field, no Texas, no dia 21 de dezembro de 1926 voando em
direção sul. Tinham como missão levar mensagens de amizade dos Estados Unidos
para os povos latino-americanos, promover a aviação comercial e forjar rotas de
navegação aérea através das Américas. Extra oficialmente esta esquadrilha voava
para “mostrar a estrela” abaixo de suas asas e demonstrar aos países ao sul dos
Estados Unidos a capacidade e alcance de seu aparato aéreo militar de após
guerra.
Sobrevoaram
a costa do Oceano Pacifico desde o México até a Argentina, sempre em meio a
muitos festejos. Em Buenos Aires, durante uma apresentação no aeroporto de
Palomar, dois hidroaviões se chocaram em vôo e caíram. Um capitão e um primeiro
tenente morreram no desastre. Deste ponto as aeronaves da marinha americana
seguem em direção norte, acompanhando a costa Atlântica da América do Sul.
A viagem
do Pan-American Goodwill Flight como ficou conhecido, foi amplamente divulgado
na época, com cobertura de primeira página em todos os principais jornais do mundo.
Em outubro de 1927 a revista National Geographic dedicou 51 páginas para o
épico vôo. Na edição de 22 de março de 1927 do jornal A Republica, o Major
Dargue oficial aviador americano declarou que “Natal era um ponto ideal para a aviação”
por sua posição geográfica, clima e a condições de pouso. Em pouco mais de 15
anos, com a implantação da grande base americana de Parnamirim Field, as
palavras do Major Dargue se tornariam realidade (*).
Enquanto
isso, o que não faltava nos céus de todo o planeta eram aeronaves realizando “Raids”.
Os
franceses Nungesse e Coli estavam pretendendo a travessia do Atlântico Norte
com o seu avião batizado “Pássaro Azul”. Da Inglaterra os Tenentes Carr e
Gilman preparavam o vôo que ligaria a Inglaterra a Índia. Da Espanha chegavam
notícias da volta ao globo pretendia por Ruiz Alba e Padelo Roda e voando de
New York para Paris, buscando ganhar um prêmio no valor de $25.000, havia ainda
um desconhecido piloto chamado Charles Lindbergh.
O Brasil
estava na expectativa do vôo através do Atlântico Sul do hidroavião brasileiro
“Jahú”. Era um aparelho Savoia Marchetti S-55, de fabricação italiana,
comandado por João Ribeiro de Barros, paulista da cidade de Jaú. Tinha como
companheiros João Negrão, Vasco Cinquini, e o Capitão Newton Braga. Em meio a
inúmeros problemas, o “Jahú” decolou às quatro e meia da manhã, do dia 28 de
abril de 1927, de Cabo Verde. No dia seguinte, soube-se que o “Jahú”, as 17:30,
amerissou a 100 milhas de Fernando de Noronha. A chegada do “Jahú” era aguardada
com ansiedade e, enquanto isto foi noticiado que outro voo estava programado
para chegar a Natal, pilotado pelo francês Pierre Serre de Saint-Roman que ainda
pretendia percorrer 52 cidades da América do Sul.
Os
momentos iniciais do voo de Saint-Roman foram atribulados. Ele possuía apenas
250 horas de vôo como experiência anterior e uma travessia de Atlântico. O seu
avião Farman F.60 Goliath, um biplano bimotor, batizado como
“Paris-Amérique-Latine”, concebido originalmente como bombardeiro, não era a
nave ideal. Mesmo assim ele e mais dois companheiros decolam de Saint-Louis
(Senegal), no dia 5 de maio de 1927, às seis da manhã. Muitos imaginam que
Saint-Roman iria chegar primeiro que o “Jahú”, mas o “Paris-Amérique-Latine” e
seus tripulantes jamais foram vistos novamente. Somente no dia 29 de junho,
restos do avião de Saint-Roman foram encontrados entre o Maranhão e Pará, distantes
da rota planejada. Acidente este que logo ele seria esquecido com a triunfal
chegada do “Jahú”.
Após os pilotos
brasileiros terem feito escala em Fernando de Noronha, chegaram no dia 14 de
maio às 13 horas ao ouviu-se o crescente ronco dos motores e uma silhueta
vermelha do “jahú” surgindo no horizonte.(**)
Dois meses
depois, em 18 de julho de 1927, Natal foi surpreendida com a chegada de uma
aeronave de rodas, um autêntico avião. Ele era francês, monomotor, do tipo
Breguet, e pertencente à empresa comercial francesa Latecoère. Percorreram o
litoral brasileiro em busca de locais para construção de campos de aviação
comercial, através de um convênio com o governo brasileiro.
O avião só podia aterrar em um campo
de pouso, o que não existia na cidade e o piloto Paul Vachet, acompanhado de
Dely e Fayard, aterrissou na praia da Redinha.
Com eles, começou a aviação comercial
e a aventura de voar, aos poucos, foi ficando no passado.
Texto de
Rostand Mediros – Resumido - Publicado
originalmente na Tribuna do Norte, Natal, Rio Grande do Norte em 26 de janeiro
de 2014.
Leia a
reportagem original em:
(*)Leia mais
sobre “Parnamirim Field” em:
(**) Leia mais sobre o Savoia Marchetti S-55, “Jahú” em: