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20150916

A aviação em S.Paulo - 1910

Transcrição do texto publicado no jornal “O Estado de São Paulo” em 8 de janeiro de 1910.

"Primeiro voo em aeroplano na América do Sul. 103 metros em 6” e 18 percorridos pelo monoplano “S.Paulo” em Osasco."

“ O Sr. Demétrio Sensaud de Lavaud, que alguns meses trabalha na construção de um aeroplano de sua invenção, trabalhos esses que o Estado tem acompanhado com maior interesse, conseguiu ontem, afinal, realizar um voo na extensão de 103 metros em 6”18’, numa altura que variou entre dois e quatro metros.

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Quem considerar os notáveis progressos que, nestes últimos anos realizou a aviação ao ponto de poder ganhar a taça “Michelin” com um recorde de duração de mais de 4 horas (Farman) e por outro (o Conde Lambert), viajar sobre a cidade de Paris, contornando a torre Eiffel, um voo magnífico, que toda a grande população aplaudiu emocionada, dirá que a “performance” de ontem é, apenas um Record de valor puramente local, tanto mais quanto, uma vez solvido o problema, todos aqueles que se entregaram ás iniciativas deste gênero, baseados na aplicação da hélice como elemento propulsor de um aparelho mais pesado que o ar seja simples continuadores e não criadores.

A favor do arrojado sportsman's, que ontem fez o primeiro voo na América do Sul, milita no entanto, ao lado do nosso acanhado e restrito meio, onde a indústria mecânica cria dificuldades de todo o gênero, a estas iniciativas, o fato de, tanto na concepção do aparelho, como do motor, ter o Sr. Demétrio inúmeras criações suas, as quais “O Estado” já fez circunstanciada menção em números anteriores, sendo ainda de notar que, no aparelho e no motor não há uma só peça fabricada fora de São Paulo.
Há mais de uma vez que o Sr. Demétrio havia interrompido as suas experiências. O motor, pela delicadeza de algumas peças, não funcionava regularmente, de forma que tornou necessária a substituição delas. Depois, um longo e paciente trabalho para regular o motor que absorveu os dias que se seguiram a substituição dos cilindros.

Afinal, há quatro dias, o seu funcionamento, ininterrupto, por espaços de 2 horas, levou o Sr. Lavaud a tentar a experiência de ontem, com êxito incontestável.
Às 5 horas e 20 minutos da manhã, uma última experiência era feita ainda no “hangar”, confirmando a regularidade do motor.
Às 5 horas e 45 minutos o elegante aparelho estava pronto para o vôo, numa rampa situada ao lado da residência do Sr. Lavaud.
Eram 5 horas e 50 minutos quando foi dada marcha do motor.
Uma grande massa de curiosos, não obstante a hora em que se realizava a experiência esperava ansiosa a sua partida.
O arrojado aviador, com um sorriso calmo, atendo ao regulador de essência e á hélice que era apenas uma sombra escura a frente do aparelho, com uma rotação provável de 1.200 voltas por minuto, deu enfim, o sinal para largar o aparelho.
Foi uma descida vertiginosa, numa extensão de 70 metros, ao cabo dos quais o aparelho, obedecendo ao leme de profundidade, deixou o solo librando-se airosamente no ar.
E dai a marcha prosseguiu admiravelmente, a uma altura variando entre 2 e 4 metros até a distância de 103 metros, percorridos em 6” e 18’.
Neste ponto, o motor – o terrível traidor dos aeronautas - que já proporcionou a Lathaqm um inesperado banho em pleno Canal da Mancha, para de repente e o aparelho cai, bruscamente, amolgando as rodas dianteiras.
Foi, pois, preciso suspender a experiência, mas já se podendo contar para São Paulo o “Record” do primeiro vôo Sul-americano, com aparelho de inteira fabricação nacional.
Brevemente o Sr. Demétrio prosseguirá as suas experiências, sendo provável que as realize no Hipódromo desta capital.
Do dia 12 do corrente em diante o seu aparelho, agora denominado monoplano S. Paulo será exposto no teatro Polytheama desta capital.
- Amanhã, “O Estado” exporá em uma das suas vitrinas o instantâneo do aparelho no ar.

São os seguintes os dados que obtivemos sobre o monoplano São Paulo:
O aparelho tem a forma de uma libélula comas asas desprendidas, aproximando-se do tipo “Blériot” com as seguintes diferença: as asas as frente são móveis servindo de leme de profundidade.
Todos os movimentos do aparelho são determinados por duas alavancas, uma de cada lado do centro de direção e formando eixo com o sarrafo superior do esqueleto. As asas de traz são fixas.
Estas modificações introduzidas ao aparelho Blériot são baseadas nos movimentos instintivos do aviador na direção e sustentação do aparelho no ar.
Assim, se o aparelho pende para a direita o corpo do aeronauta acompanha este movimento, o braço esquerdo se levanta e a asa desse lado inclina-se de cima para baixo, servindo desta forma, de leme de profundidade. Se o aparelho pende para a esquerda, o equilíbrio se restabelece com movimentos contrários a este.
Mas, as asas dianteiras servem, também como assim dissemos de leme.
Na curva para a esquerda, por exemplo, o aeronauta abaixa a asa esquerda, (servindo de leme de profundidade) e levanta a asa direita, dando, ao mesmo tempo, ao leme (na cauda do aparelho) um movimento rotativo para a esquerda.
A superfície total de amparo é de 22 metros quadrados e a velocidade de sustentação é de 15 metros por segundo, ou seja, 54 quilômetros por hora.
O esqueleto tem a forma de um fuso, onde estão presas as asas, motor, leme, reservatório de essência e óleo, etc.
Comprimento total do esqueleto é de 10,20 metros por 10,00 de largura, sendo todo construído em madeira nacional.
As asas são fitas de pequenos sarrafos cobertos com uma tela de cretone envernizada, distendida por fios de aço ligando o meio das mesmas ao centro do aparelho a uma altura de 75 centímetros.
As asas grandes (as da frente) têm uma superfície de 18 metros quadrados e as pequenas de 4 metros quadrados. Ambas são côncavas para baixo, formando um raio de 20º. E dão ao aparelho a forma de um triângulo com 2,20 de base por 1,8 de extremidade.
O ângulo de ataque varia de 2º. A 16º, constituindo a base de todas as operações do aparelho.
O movimento do leme é dado por meio de dois pedais situados no centro de direção (lugar do aeronauta).
A hélice é feita de um pedaço inteiriço de jequitibá. Belo trabalho do Sr. Antônio Demosso, tem um diâmetro de 2,1 com uma largura de 30 centímetros, e um “passo” de 1,20.
A sua rotação é 1.200 voltas por minuto, exercendo uma tração sobre o eixo equivalente a 3.000 quilogramas (força centrífuga).
Todas estas partes essenciais do monoplano repousam sobre três rodas reforçadas de bicicleta, munidas de pneumáticos que sustentam 12 quilos por metro quadrado.
O centro de gravidade esta a 3 metros e 50 centímetros do centro de tração e a quarenta centímetros do solo e o centro de direção a 3,80 do centro de tração.
A essência e o óleo estão num mesmo reservatório de latão que se liga com o motor por meio de tubos de cobre.
Capacidade do reservatório é de 25 litros. Peso total do aparelho com o aviador 260 quilos. Só pó aparelho 190 quilos. Peso da essência e óleo, 25 quilos. Motor 25 quilos com força de 28 a 32 HP.
- As gravuras que acima publicamos sobre o esqueleto do aeroplano representam-no visto de cima (fig.n.1) visto de lado (fig. N.2) e vista de frente (fig. N.3).
Na figura n.1 as letras A. e A’ representam as asas grandes; B. e B’ as asas pequenas; C. o centro de direção; D. e D’ motor e hélice; E. o leme e F. o esqueleto.
No figura n.2 vêm-se o esqueleto F. as rodas B. e B’ e C. local para o reservatório de essência e óleo.
Na figura n.3 vêm-se as asas grandes, (A. e A’), e as pequenas (B. e B’) o centro de direção (C.) e os sustentáculos das asas A. e A’, B e B’.
Para as experiências oficiais, no Hipódromo, o Sr. Lavaud, convidará uma comissão do Automóvel Club de São Paulo”

Leia mais sobre Demétrio Sensaud de Lavaud em:
http://www.escuderia.com/ingeniero-inventor-escritor-sensaud-de-lavaud/

Post (146) - Setembro de 2015