Henrique
Lage interessou-se pela aeronáutica desde 1920. Em 1933, sob a supervisão de
Guedes Muniz, construiu na Ilha de Viana um planador denominado Avia, com madeiras
nacionais.
Henrique Lage |
Neste
mesmo ano, o engenheiro belga René Vandeale e o desenhista francês Del Carli foram
contratados pela Companhia por indicação de Guedes Muniz, como responsáveis
pela condução da produção dos aviões da série Muniz.
De
1936, quando se iniciou a produção industrial, até 1941, foram fabricados vinte
e seis Muniz M7.
Muniz M7 |
Em
1937, surgia o Muniz M9, era basicamente o mesmo aparelho, porem com motor
ingles De Haviland Gipsy 200 HP, mais potente, além de alterações no nariz,
ligeiramente mais longo e no leme de direção. Seu desempenho era superior ao do
M7, homologado em fevereiro de 1938. Cinco M9 foram exportados, sendo dois para
a Argentina, dois para o Paraguai, um para o Uruguai e vinte ficaram para FAB.
A Segunda série de M9 contou com os motores norte-americanos Ranger, a
Inglaterra não dispunha de motores para fornecer ao Brasil em função da Segunda
Guerra Mundial. Em 1943 findava a produção seriada do M9 para a FAB.
Guedes
Muniz não participava da CNNA. O Exército, proprietário dos projetos, cedeu-os somente
a Henrique Lage.
O
último avião projetado por Guedes Muniz foi o de treinamento M11, construído no
Serviço Técnico da Aeronáutica no Campo dos Afonsos. A exemplo do M7 e do M9, o
M11 era uma aeronave de treinamento mais avançada que seus antecessores, contava
com um motor Ranger de 190 HP, norte-americano. Voou pela primeira vez a 28 de
outubro de 1941, acumulando milhares de horas de vôo sem nenhum problema
técnico.
No
entanto, em janeiro de 1942 tinha início à montagem, na Fábrica do Galeão, de
232 aparelhos PT 19 Fairchild, americanos, que ganharam a designação brasileira
3FG (Terceiro modelo da Fábrica do Galeão), produzidos até novembro de 1943.
Nesta
época o Brasil já dispunha de tecnologia própria para fabricar aviões de
treinamento, sendo que em menos de dois anos, mais de duzentas aeronaves tinham
sido fabricados. Outras encomendas teriam sido capazes de alavancar a tecnológica
da CNNA, que vinha industrializando projetos desenvolvidos no país por
brasileiros. A montagem das aeronaves americanas produzidas sob licença
competiu predatoriamente com a tecnologia nascente, que mesmo assim continuava-se
a desenvolver aeronaves com a participação do Eng. René Vandeale, belga.
Em
princípio de 1940, já encerrada a produção do M7 e da primeira série do M9, a CNNA
dedicou-se ao projeto de outra aeronave leve, para dois passageiros, para
aeroclubes. O projeto era uma cópia do modelo norte-americano Piper Club e foi
batizado HL1.
A
estrutura era de madeira e tubos de aço nacionais. As hélices eram fabricadas
pelo IPT, em São Paulo e o motor era o norte-americano Continental de 65 HP.
O
presidente Getúlio Vargas fixara a meta de formar três mil pilotos civis, que
se constituiriam na reserva da Força Aérea. O quadro de guerra motivava a
criação da Campanha Nacional de Aviação, em 1941, pelo ministro da Aeronáutica Salgado
Filho, com o objetivo de angariar recursos para a compra de aeronaves leves
para os aeroclubes. O jornalista Assis Chateaubriand liderou a campanha, que
gerou um ambiente propício para a compra de aviões pelo Governo, e criar um
mercado para os aviões leves fabricados pela Companhia Nacional de Navegação
Aérea e pela Companhia Aeronáutica Paulista.
Entre
1940 e 1941, foram homologados e construídos oito aparelhos denominados HL1-A.
Em maio do mesmo ano, a Diretoria de Aeronáutica Civil encomendou 100 aeronaves
à CNNA. Os aparelhos foram denominados HL1-B. Foram exportados para a
Argentina, Chile, Uruguai e cerca de 15 aeronaves foram vendidas a
particulares, totalizando uma produção de 123 aeronaves.
A
CNNA construiu alguns protótipos que nunca chegaram a ser produzidos e
jamais voaram. O modelo HL2 foi um deles, concebido para o transporte de seis
passageiros ou para o Correio Aéreo, o HL2 seria um bimotor de asa baixa e
contaria com dois motores de 200 HP.
Avião HL1 fabricado em 1942 pela Companhia Nacional de Navegação Aérea e destinado à formação de pilotos privados no Aeroclube de Guaratinguetá SP |
Em
1941, a CNNA lançou o modelo HL3, um monomotor, de treinamento para duas
pessoas com motor de 75 HP. Concebido pelo Eng. René Vandeale, para o empresário
Henrique Lage. Em apenas três meses o HL3 realizava seu primeiro vôo, não
chegando, contudo a ser fabricado em série.
Em
outubro de 1942 a CNNA realizava o primeiro vôo do protótipo do HL6, era um
modelo de treinamento, de dois lugares, asa baixa e estrutura de madeira.
Em
1943, a CNNA construiu cinco aviões HL6-A, uma versão modificada, que
possuía motor mais potente com cilindros aparentes. Em 1944 voava o HL6-B, um
novo modelo do mesmo avião, desta vez com cabine fechada e dotado de um
motor Lycoming de 290 HP. Foram fabricados 39 aparelhos HL6-B, que receberam o
nome comercial Carué.
Outro
protótipo da CNNA que não chegou a ser fabricado em série foi o aparelho HL8,
um trimotor, de 130 HP em cada propulsor. Voou pela primeira vez em dezembro de
1943. Seria uma aeronave de transporte, capaz de levar uma carga útil de uma
tonelada e realizou testes de vôo durante mais de um ano.
Os
aparelhos que receberam a numeração 7, 9, 10, 11, 12 e 13 jamais saíram do
papel, somente o HL14 chegou à fase de protótipo, um monomotor de dois lugares.
O
mercado brasileiro disputado pela CNNA dependia de uma verba anual do
Ministério da Viação e Obras Públicas. A indústria norte-americana vivera durante
a Segunda Guerra, uma fase de crescimento acelerado, chegando a produzir
dezenas de milhares de aviões. Findo o conflito, os Estados Unidos dispunham de
grandes quantidades de aeronaves e doaram essas sobras de guerra ou as venderam
a preços simbólicos. Esse fato impediu o crescimento das indústrias
aeronáuticas nascentes no Brasil.
Três aparelhos HL6 A fabricados pela Companhia Nacional de Navegação Aérea, estacionados no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro |
Em
novembro de 1945, Luiz Felipe Marques, diretor técnico e posteriormente
presidente da CNNA, apresentou uma tese ao II Congresso de Engenharia,
realizado no Rio de Janeiro. Nele, Marques apresentou um histórico da
trajetória da indústria aeronáutica brasileira, em particular na CNNA, e propôs
uma política de desenvolvimento para o setor, inclusive a criação do Ministério
da Aeronáutica. Até este momento o Governo havia comprado da CNNA, através do
Ministério da Guerra, 60 aviões Muniz M7 e M9 e outros 100 aviões da linha HL.
Ao
terminar a Segunda Guerra Mundial, o Brasil contava com indústrias em três
estados: no Rio de Janeiro, a CNNA, a Fábrica do Galeão e a Fábrica Nacional de
Motores, em São Paulo a Companhia Nacional Aeronáutica Paulista, e em Minas
Gerais a Fábrica de Lagoa Santa.
O
país dispunha de instalações industriais, máquinas, ferramental, técnicos e até
mesmo de alguns poucos instrumentos fabricados internamente. Todo esse patrimônio
havia sido construído com base em encomendas governamentais.
Avião HL6-B, fabricado pela Companhia Nacional de Navegação Aérea. O aparelho da foto foi destinado ao Aeroclube do Brasil, no Rio de Janeiro. |
Os
aviões leves fabricados no país competiam com os importados sem nenhum tipo de incentivo.
Em 1945 voavam no país cerca de 800 aviões civis e 1.500 aeronaves militares. O
acesso ao mercado público era essencial para viabilizar a produção de aeronaves
no país, não somente pelo fato de que a aviação militar possuía uma frota quase
duas vezes maior do que a aviação civil, bem como porque a maioria das
aeronaves civis eram compradas pelo Governo para distribuição aos aeroclubes.
Durante
a Segunda guerra foi a mobilização desse poder de compra que proporcionou o
surgimento e crescimento destas empresas. Findo o conflito, a política mudou e
o Governo Federal de orientação liberal não tinha mais interesse em fomentar a
indústria aeronáutica.
Em
17 dezembro de 1945, durante uma conferência, o professor Richard Smith, do
Massachusetts Institute of Technology, convidado pelo Ministério da Aeronáutica
para assessorá-lo na implantação do CTA, afirmava que “o Brasil deveria projetar
e fabricar aviões que preenchessem suas necessidades. Esses aparelhos seriam
projetados para linhas aérea brasileiras e nível econômico brasileiro, o que
não aconteceria antes de decorridos 10
anos. Brasil não teria de imediato alternativa senão usar aviões estrangeiros”.
Sem
dúvida alguma o Brasil tinha necessidade de uma escola de nível superior,
dedicada à formação de engenheiros aeronáuticos, bem como laboratório de pesquisas.
Smith desconsiderou o parque instalado no país.
A criação do ITA, em 1950, representou um passo essencial para o desenvolvimento da tecnologia aeronáutica no Brasil, e apenas passados 20 anos da conferência de Richard Smith surgiu a grande indústria aeronáutica brasileira, hoje uma das maiores do mundo.
A criação do ITA, em 1950, representou um passo essencial para o desenvolvimento da tecnologia aeronáutica no Brasil, e apenas passados 20 anos da conferência de Richard Smith surgiu a grande indústria aeronáutica brasileira, hoje uma das maiores do mundo.
Fábrica de Lagoa Santa - Oficina |
Luiz
Felipe Marques propunha uma política industrial que estabelecesse um volume de
compras para o período de 1946 a 1951 e que permitisse a fabricação de aviões,
materiais e instrumentos aeronáuticos, além da instalação de um túnel
aerodinâmico e da formação de recursos humanos. Marques propunha a constituição
de uma comissão no Ministério da Aeronáutica com a finalidade de delinear essa
política, composta por membros do Governo e representantes da iniciativa
privada. Mas as suas idéias não encontravam eco no Governo. Em janeiro de 1946,
ele registrava a evasão dos poucos técnicos das indústrias aeronáuticas
nacionais, pela falta de perspectiva do setor. O
quadro era de desalento.
Fabrica de aviões do Galeão |
Marques
propunha ao Governo comprar a produção nacional de aviões leves e a revender a
particulares, como já se praticava na Inglaterra e como já se havia praticado
no Brasil no caso de 100 aparelhos HL1, vendidos a prazo a terceiros pelo
Ministério da Viação e Obras Públicas, através do Banco do Brasil.
O
relatório da diretoria da empresa, datado de 31 de dezembro de 1947, não
deixava dúvidas quanto ao futuro sombrio que se avizinhava. No documento, a
diretoria da empresa buscava entendimentos com o Governo Federal, visto que em
todo o mundo a indústria aeronáutica dependia do Governo, ressaltando que o mercado
civil também deveria ser subvencionado, o que seria suficiente para viabilizar
economicamente o setor.
O
mercado potencial da aviação desportiva e individual era estimado em 1.600
aviões leves, distribuídos por cerca de 300 aeroclubes que abrigavam cerca de
7.500 pilotos civis. A reposição anual da frota era estimada em 5%, o que
significaria um mercado anual de 100 aeronaves.
Porem o documento registrava
que no Orçamento da União para 1948 nada havia sido previsto que permitisse a
compra destas aeronaves. A CNNA necessitaria de uma encomenda mínima de 24
aviões para não ser obrigada a encerrar suas atividades, quantia modesta sobre
todos os aspectos, inclusive o do interesse nacional de manter pelo menos uma
fábrica de aviões em funcionamento no país.
Em
1948, Marques solicitou ao Presidente Dutra a compra de 10 aeronaves HL6 pelo
Governo, para que a CNNA pudesse sobreviver até 1949, o que não aconteceu.
Em
junho de 1948 a empresa interrompia a sua produção pela falta total de
encomendas. Depois de uma lenta agonia, finalmente, a 30 de novembro de 1948 a
empresa fechava suas portas. Em seus 12 anos de existência, a empresa produzira
66 aviões Muniz, sendo 26 modelos M7 e 40 modelos M9, além de 123 aparelhos HL1
e 45 HL6, totalizando 234 aeronaves.